terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

ÚLTIMO DESEJO E TESTAMENTO

 

ÚLTIMO DESEJO E TESTAMENTO

 

Meu nome é Hisoka Mari, acabo de ser condenada a morte por traição ao Governo Mundial. Esse documento que está em suas mãos deveria ser uma carta para minha família contendo minhas últimas palavras. No entanto, por motivos que prefiro não mencionar aqui fui desertada de minha família, então em vez de gastar minhas ultimas palavras numa carta que sei que seria jogada fora, sem ninguém ao menos pensar em ler. Resolvi endereçar as mesmas numa carta para Biblioteca Nacional de Nagoya, local que freqüentei constantemente pelo longo de toda a minha breve vida. Quem sabe assim, talvez no futuro alguém venha saber quem eu fui, e porque morri.

Antes de contar minha história vou descrever alguns eventos históricos relevantes, mas não da forma que eles são atualmente ensinados nas escolas. E sim, da forma que eles realmente ocorreram.

No inverno de 2025 acabou a III Grande Guerra Mundial. Uma aliança recém formada pelo Brasil, China, Alemanha, Canadá, Rússia, Japão e Austrália deram o fim a guerra. Mas como sempre, não foi da melhor forma. Após o final da guerra essa aliança fundou o que é chamado hoje de Governo Mundial. E mesmo sendo um governo forte, ele não conseguiu evitar as conseqüências que a guerra trouxe ao ecossistema global. Entre epidemias, revoltas, e catástrofes naturais, nada tiro tantas vidas como o derretimento das calotas polares. O Japão, por exemplo, teve o seu território reduzido em 90%, e sua população em 35%. A única metrópole que não foi destruída foi Nagoya, e, por algum motivo além da minha compreensão, acabou se tornando a capital do governo mundial.

 Há alguns anos atrás, um grupo revolucionário conseguiu se infiltrar no Japão, inclusive em Nagoya. Esse grupo se autodenomina “Vishnu”, eles visam à dissolução do Governo Mundial. O Governo por sua vez, alegando que era para proteger os cidadãos, decretou um toque de recolher às 22h00min, sobre a pena de retiradas dos bens, prisão, ou morte. A população, por sua vez, começou se dividir entre os que apóiam o Governo Mundial e os que apóiam a “Vishnu”. Não tardou muito para que fosse aprovada a lei que transformou o apoio aberto a “Vishnu” em um crime grave.

Essa situação acabou por criar um clima de tensão entre a população. Muitas pessoas por dia eram presas por terem apoiado abertamente a “Vishnu”, mesmo sem ter o feito. O povo passou a desconfiar de qualquer um, mesmo amigos íntimos e parentes. Esse sentimento de opressão que o povo sentia ajudou a “Vishnu” a aumentar suas fileiras. A maior parte, claro, era de adolescentes rebeldes que não tem muita noção da realidade. E entre eles, estava eu.

Ao contrário da maioria, compostas por rebeldes sem causa e pessoas que apenas queriam tentar usurpar o poder do Governo Mundial, eu apenas queria uma forma de compensar todo o mal feito pela minha família. Como eu já disse, eu pertenço à família Hisoka. Basicamente uma família de classe alta normal, até o final da III Grande Guerra Mundial. Depois do final da guerra, o Governo Mundial se instalou em Nagoya. Muitas pessoas foram contra e se revoltaram. A minha família começou a esconder essas pessoas. Um dia meu pai resolveu construir um grande abrigo subterrâneo, para que servisse como base para os rebeldes. No entanto, na primeira reunião rebelde no abrigo, as forças militares do Governo Mundial chegaram atirando para matar. Somente uns poucos sobreviventes foram presos e interrogados, para então serem fuzilados aos olhos de todos. Quando era pequena não entendi porque ao invés de sermos presos, nós tínhamos ganhando um título de nobreza, mas ao crescer tive que encarar a realidade junto com a alcunha “Kuroshin” que acompanha a minha família.

Espero que esses dados que passei sejam o suficiente para que aqueles que aqui lêem possam entender minhas ações. A seqüência de acontecimentos que se concluirão em minha morte começou na primavera de 2051, em Nagoya. Eu já estava na “Vishnu” há cinco anos. E graças aos meus esforços, e já havia sido promovida para facção especial de assassinatos dentro da “Vishnu”, chamada de “As espadas de Kalki”, há um ano.

Henry Oxford nasceu no outono de 2033 nos Estados Unidos, aos atingir a maioridade em 2048 se inscreveu na marinha. Em apenas dois anos Henry mostrou uma excelência raramente vista, e foi promovido ao posto de defensor do Castelo Negro, prédio base do Governo Mundial. Uma paródia à Casa Branca, da época que os Estados Unidos praticamente governava o mundo ao invés de ser a poça de estrume que é hoje. Henry mora em um dormitório da marinha junto com seu colega de quarto Henrique, que tem a fama de ser um incorrigível casanova. Henry é o homem por quem eu viria a me apaixonar, e o homem que a “Vishnu” me ordenou matar.

O nosso encontro aconteceu de certa forma graças a Henrique, por ter sido facilmente seduzido por minha colega Diana, uma suíça que também pertencia a “As espadas de Kalki”, em uma ida a um típico karaokê japonês. Mesmo morando pouco tempo no Japão Henry e Henrique já estavam acostumados às idas ao karaokê. De uma forma ou de outra, Henrique sempre conseguia levar muitas garotas para lá, quando havia mais do que uma mulher arrastava Henry com ele.

Logo ao entrar na sala os dois homens de farda tirarão suas armas da cintura e colocarão sobre a mesa. Henrique e Diana começaram a cantar, enquanto isso Henry não perdeu tempo e começou a alisar as minhas pernas. Foi um inicio de noite agradável, com exceção da conversa que tive com Henry sobre a minha família:

- Já ouvi falar de sua família. Vocês são aqueles que ganharam título de nobreza por entregar rebeldes ao Governo Mundial, os quais o povo chama de Kuroshin. – disse Henry

- Vocês não, não me inclua no meio. Eu nunca tive a intenção de aumentar o numero de vitimas do Governo Mundial. – Respondi

- Você pode disser isso, mas mesmo não querendo, duvido que você tenha crescido sem se aproveitar dos benefícios do título de nobreza da sua família. – Henry

Por mais que eu não quisesse admitir, o que ele disse era verdade. Desde criança todos os meus estudos e brinquedos foram comprados com o dinheiro proveniente do título de nobreza, mesmo há uns poucos anos era para eu ter sido reprovado no vestibular, mas fui aceita por pertencer à família Hisoka. Essa incontestável verdade me corroeu por dentro naquela hora. Então sem saber o que responder comecei a virar shots de tequila um atrás do outro. Não demorou muito e comecei a chorar. Henry me abraçou em me confortou com palavras doces, eu sabia que ele as falava apenas para o meu agrado, mas mesmo assim eu gostei. Fazia muito tempo desde que alguém se preocupou em me agradar. Depois de ficar confortada em seus braços, deixei que ele conforta-se entre minhas pernas.

 Estava jogada em um sofá nua, quando Diana entrou, usando apenas uma saia, me levantou do sofá, e disse aos rapazes que iria me levar no banheiro para vomitar. Entramos no banheiro, graças ao isolamento acústico das salas de karaokê, Diana não se fez de rogada em bater a minha cabeça na parede com toda a sua força.

- O que você pensa que está fazendo bebendo desse jeito? Esqueceu o plano? – Pergunto Diana

Caída e olhando para o chão em vez de para Diana eu respondi:

-Não, eu apenas fiquei abalada com algumas palavras do Henry sobre a minha família.

-Sua família, de novo... Eu já disse que no seu lugar eu faria tudo que meus pais pedissem e gozaria da boa vida que o dinheiro deles pode oferecer. – Disse Diana

Diana fazia parte dos membros da “Vishnu” que não tinham nada especificamente contra o Governo Mundial, apenas queriam tentar roubar o poder para si.

- Eu não desejo dinheiro, desejo liberdade. E mesmo que o meu avô e meu pai nadem em dinheiro em vida. Ao morrer, se houver justiça no universo, duvido que qualquer um dos dois consiga adentrar os portões do céu.

Diana olhou para mim com uma cara de nojo, então lhe perguntei:

- Você não acredita em Deus não é?

- Nunca, e para ser sincera, detesto religiosos. – Os olhos de Diana nesse momento pareciam capazes de congelar o inferno

- Engraçado, pois com o fervor que você afirma isso, é o fervor de um religioso. Mas é assim mesmo, crendo ou não em Deus, acabamos vivendo em função dele.

Não podendo me jogar no chão, pois eu já estava caída, Diana me ergueu, e olhando nos meus olhos ela disse:

- Como você pode acreditar em Deus, vivemos em uma era de desgraças. A poucos anos mais de três bilhões de pessoas morreram, países inteiros, assim como o meu deixaram de existir, ainda hoje existe resquícios da guerra mundo a fora, se Deus existe, porque ele deixaria tudo acontecer? Por quê?

E olhando nos olhos dela eu respondi

- Talvez porque precisássemos de uma era de mortes para podermos reaprender o valor da vida. Mas chega dessa conversa, temos que prosseguir com a missão.

Diana me soltou e começando a se vestir me disse:

- Nós vamos levá-los para um motel, quando eles dormirem nós executaremos o plano.

Depois disso retornamos a sala de karaokê, Diana convidou os rapazes para nós levar a um motel que ela disse ser o nosso favorito. Henrique queria mudar os pares, o que me angustiou profundamente. Não me atrevi a falar nada, não queria irritar Diana mais do que havia irritado. Porém Henry percebeu o que sentia:

- Me desculpe Henrique, mas hoje a Mari é só minha. – Henry disse enquanto me abraçava pela cintura.

Henrique não colocou resistência e fomos os quatro para o Motel Daiquiri. Disse a Henry que tudo que precisávamos era uma cama e ele alugou um quarto simples. Diana fez com que Henrique alugasse a suíte presidencial. Logo ao entrarmos no quarto Henry me disse:

-Me desculpa se te ofendi pelo o que falei de sua família lá no karaokê.

- Não precisa se desculpar, você só disse o que era verdade. A minha família realmente merece a alcunha Kuroshin. Eles nunca se contentam com o que tem. Não importa o quando dinheiro eles tenham ou quão grande é a casa em que moram, para eles é como se morassem em caixas de papelão pedindo esmolas a transeuntes.

- Entendo que a sua família não está no top dez das famílias mais legais do mundo, mas não há nenhum parente que você goste? – Perguntou Henry

- Somente a minha avó, de quem herdei o nome. Ela era uma pessoa fabulosa, fazia muita besteira, comia por quatro pessoas. Ela gostava muito de viajar. Ela disse que conheceu o imperador no Brasil, enquanto ele era só um acadêmico de idiomas. Porém, não sei se é verdade, pois ela também me disse ter conhecido meu autor português favorito depois de mais de setenta anos da sua morte. - Respondi

- O imperador..., sua avó devia ser uma pessoa realmente interessante. - Henry

Paramos de falar e ficamos olhando um para o outro. Logo Henry me abraçou, e começou a me despir. Fomos para a cama e fizemos sete vezes antes de Henry pegar no sono.

   Levantei-me da cama, e peguei a minha faca na bolsa, porém depois disso fiquei sem saber o que fazer. Mesmo tendo passado pouco tempo desde que eu o encontrei, não tinha duvidas do meu amor por ele. Mas o que eu podia fazer. Eu tinha que obter êxito em minhas missões, todas as circunstâncias já estavam lá, mas isso não era o suficiente. Eu precisava apenas fazê-lo, e só assim eu teria completado a missão.

Comecei a pensar em minha família e o porquê de eu a detestar, se eu matasse Henry ali, dormindo indefesso como uma criança. Eu não seria diferente deles. Resolvi que não iria o matar, e as lágrimas começaram a escorrer pelo meu rosto. Foi ai que percebi como a “Vishnu” é semelhante a minha família, sempre me dando ordens em prol dela. Não que eu não tenha me oferecido para fazer isso pela “Vishnu”, o que percebi foi o quanto isso é errado. E a sensação de liberdade de não cumprir a uma ordem dada era maravilhosa.  Então nesse momento houve o primeiro tiro e Henry acordou.  Eu ainda estava com a faca na mão.

Henry não é burro, e compreendeu logo a situação em que estava. Saltou em direção a sua arma, eu então deixei a faca cair no chão.

-Henrique... – Henry gritou ao perceber que o amigo dele poderia estar em má situação

Henry então atirou em minha perna, e se saiu pela porta, eu me arrastei atrás dele. Ao por a cabeça para fora no corredor, eu vi Henrique de cueca com um ferimento no braço, Henry não muito distante da porta do nosso quarto nu, e Diana também nua no meio. Henry e Henrique fuzilaram Diana com dez tiros espalhados pelo corpo. Depois eles se voltaram para mim. Henrique chegou chutando o meu maxilar, ele estava realmente de mau humor por quase ter sido morto.  Henry então perguntou:

- Tudo o que nos passamos foi orquestrado para que vocês pudessem nos matar? Em nenhum momento você chegou ao menos perto de gostar de mim? – Henry tinha sofrimento em sua voz

Eu sabia que independente da minha resposta Henry teria que cumprir com o seu dever. Então resolvi facilitar as coisas para ele.

- Sim, tudo foi um plano. E todo o carinho que demonstrei a você nada mais era do que fingimento. – Lhe disse sem ao menos piscar.

Depois disso eu parei na cadeia, fui interrogada, condenada e julgada. Não cheguei a me revoltar com meu destino, no meu ponto de vista, eu escolhi morrer para não ter que matar o homem que amo. Nessa vida imprecisa que tenho, e que a cada momento está mais próxima de sua conclusão, se tem algo que aprendi é a me encontrar em mim mesma. Superando as barreiras de preconceito impostas pela sociedade.  E que a verdadeira sabedoria se consiste em se contentar em viver a sua vida, sem se importar se o mundo está nos trilhos, preocupando se apenas com a sua própria felicidade. Deixo aos que aqui lêem esse conhecimento.

Amanhã será o meu enforcamento. Fui informada que Henry puxará a corda, que quebrará o meu pescoço. Fico feliz de poder vê-lo mais uma vez, se eu tivesse direito a um ultimo desejo, este seria que Henry seja feliz. 

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